quarta-feira, 25 de maio de 2011

Chegando no aqui e agora - Thich Nhat Hanh

No Sutra do Lotus, o Buda é descrito como a criatura mais respeitada e amada que caminhou sobre dois pés. Ele era tão amado porque sabia como aproveitar uma boa caminhada. Andar é uma importante forma de meditação budista. Isso pode ser uma profunda prática espiritual. Mas, quando o Buda caminhava, ele o fazia sem esforço. Ele não tinha que fazer força, porque quando você anda pratica a atenção plena, você está em contato com todas as maravilhas da vida dentro e ao redor de você. Esta é a melhor maneira de praticar, com a aparência de não-prática. Você não precisa fazer nenhum esforço, você não luta, você só aproveita a caminhada, mas isso é muito profundo. "A minha prática", disse o Buda, "é a não-prática, a realização da não-realização."

Para muitos de nós, a idéia de praticar sem esforço, do prazer descontraído da atençaõ plena, parece muito difícil. Isso é porque nós não andamos com os pés. É claro, que, fisicamente, nossos pés estão fazendo a caminhada, mas porque nossas mentes estão em outro lugar, não estamos andando com o nosso corpo e nossa consciência plena. Vemos nossas mentes e nossos corpos como duas coisas separadas. Enquanto os nossos corpos estão caminhando para um lado, nossa consciência está puxando para uma direção diferente.

Para o Buda, a mente eo corpo são dois aspectos da mesma coisa. Andar a pé é tão simples como colocar um pé na frente do outro. Mas achamos isso difícil ou tedioso. Nós dirigimos poucos quarteirões, em vez de andar, a fim de "poupar tempo." Quando compreendemos a interligação de nossos corpos e nossas mentes, o simples ato de caminhar como o Buda pode ser extremamente fácil e prazeroso.

Leia o restante do texto:

Você pode dar um passo e tocar a terra de tal forma que você se estabeleça no momento presente; você vai chegar no aqui e agora. Não é necessário fazer nenhum esforço. Seu pé toca a terra em plena consciência, e você chega firmemente no aqui e agora. E, de repente, você está livre - livre de todos os projetos, todas as preocupações, todas as expectativas. Você está totalmente presente, totalmente vivo, e você está tocando a terra.

Quando você pratica meditação andando lento sozinho, tente o seguinte: Inspire e dê um passo, concentre toda sua atenção na sola do seu pé. Se você ainda não chegou completamente, cem por cento no aqui e agora, não dê o próximo passo. Você tem o luxo de fazer isso. Então, quando você tiver certeza que você já está cem por cento no aqui e agora, tocando profundamente a realidade, então você sorri e dá o próximo passo. Quando anda assim, você imprime sua estabilidade, sua solidez, sua liberdade, sua alegria no chão. Seu pé é como um selo. Quando você coloca o selo em um pedaço de papel, o selo faz uma boa impressão. Olhando seus passos, você vê a marca da liberdade, a marca de solidez, a marca da felicidade, a marca da vida. Você pode dar um passo assim porque há um Buda em você, a natureza búdica, a capacidade de estar consciente do que está acontecendo. Há um buda em cada um de nós, e devemos permitir que o Buda ande.

Mesmo na situação mais difícil, você pode andar como um buda. No ano passado eu visitei a Coréia, e houve um momento em que meu grupo foi cercado por centenas de pessoas. Cada um deles tinha uma câmera, e eles estavam fechando o cerco. Não havia nenhum caminho para andar, e todo mundo estava apontando sua câmera para nós. Foi uma situação muito difícil para se fazer a meditação andando, então eu disse: "Querido Buda, eu desisto, você anda por mim."E logo o Buda veio, e ele caminhou, com total liberdade, e a multidão fez espaço para o Buda andar; nenhum esforço foi feito. Se você se encontra em alguma dificuldade, afaste-se para o lado e permita que o Buda tome seu lugar. O Buda está em você. Isso funciona em todas as situações, eu tentei. É como encontrar um problema quando você estiver usando o computador. Você não pode sair da situação. Mas, então, seu irmão grande que é muito hábil com computadores vem e diz: "Sai da frente um pouco, eu vou assumir." E, tão logo ele se senta, está tudo bem. É desse jeito. Quando você achar difícil, retire-se e permita que o Buda tome seu lugar. Você tem que ter fé no Buda dentro de você, e permitir que ele ande, e também permitir que suas pessoas queridas andem.

Quando você anda, por quem você anda? Você pode andar para chegar a algum lugar, mas você também pode caminhar como um tipo de oferenda de meditação. É bom andar por seus pais ou seus avós, que podem não ter conhecido a prática de caminhada em plena consciência. Seus ancestrais podem ter gasto a vida inteira sem chance de se tornar pacíficos, dê passos felizes e estabeleça-os plenamente no momento presente.

É possível você andar com os pés de sua mãe. Você pode dizer: "Mãe, você gostaria de andar comigo?" E, então, você anda com ela, e seu coração se enche de amor. Você liberta-se e ela também, ao mesmo tempo, porque sua mãe está em você, em cada célula do seu corpo. Seu pai também é totalmente presente em cada célula do seu corpo. Você pode dizer: "Papai, você gostaria de se juntar a mim?" Então, de repente você anda com os pés de seu pai. É uma alegria. É muito gratificante. Você não tem que lutar e esforçar-se para fazê-lo. Basta ficar atento.

Depois de ter sido capaz de andar para os seus entes queridos, você pode caminhar para as pessoas que fizeram sua vida miserável. Você pode andar por aqueles que atacaram você, que destruíram sua casa, seu país e seu povo. Essas pessoas não estavam felizes. Eles não tinham amor suficiente para si e para outras pessoas. Eles têm feito a sua vida miserável, e a vida de sua família e de seu povo. E haverá um momento em que você vai ser capaz de andar para eles também. Caminhando assim, você se torna um buda, você se torna um bodhisattva cheio de amor, compreensão e compaixão.

PRÁTICA DE MEDITAÇÃO ANDANDO
 
A mente pode ir em mil direções.
Mas neste belo caminho, eu ando em paz.
A cada passo, um vento gentil sopra.
A cada passo, uma flor desabrocha.

Durante a meditação, andamos lentamente, de uma forma descontraída, mantendo um leve sorriso nos lábios. Quando praticamos desta forma, sentimo-nos profundamente à vontade, e nossos passos são os da pessoa mais segura da Terra. A meditação andando é realmente desfrutar do passeio, não andar para chegar, apenas para caminhar, estar no momento presente, e aproveitar cada passo. Portanto, você tem que livrar-se de todas as preocupações e ansiedades, não pensar no futuro, não pensar no passado, apenas curtir o momento presente. Qualquer um pode fazê-lo. É preciso apenas um pouco de tempo, um pouco de atenção, e o desejo de ser feliz.

Nós andamos o tempo todo, mas geralmente é mais como correr. Nossos passos apressados ​​imprimem ansiedade e tristeza na Terra. Se podemos dar um passo em paz, poderemos dar dois, três, quatro e depois cinco passos para a paz e a felicidade da humanidade.

Nossa mente corre de uma coisa para outra, como um macaco balançando de galho em galho, sem parar para descansar. Pensamentos tem milhões de caminhos, e nós somos sempre puxados por eles para o mundo do esquecimento. Se podemos transformar o trajeto que andamos em um campo para a meditação, nossos pés darão cada passo com plena consciência, a nossa respiração estará em harmonia com os nossos passos, e nossa mente estará, naturalmente, à vontade. Cada passo que dermos irá reforçar a nossa paz e alegria e causar um fluxo de energia calma a fluir através de nós. Então podemos dizer: "A cada passo, um vento gentil sopra."

Enquanto caminhar, pratique a respiração consciente, contando os passos. Observe cada respiração e o número de passos que você dá à medida que você inspira e expira. Se você der três passos durante uma inspiração, digamos, em silêncio, "Um, dois, três", ou "dentro, dentro, dentro" uma palavra a cada passo. Ao expirar, se você der três passos, diga, "fora, fora, fora", com cada passo. Se você dar três passos enquanto você respira e quatro passos enquanto expira, você diz: "Dentro, dentro, dentro. Fora, fora, fora, fora", ou "Um, dois, três. Um, dois, três, quatro. "

Não tente controlar a sua respiração. Permita que seus pulmões obtenham tanto tempo e ar quanto eles necessitem, e simplesmente perceba quantos passos que você dá como seus pulmões cheios e quantos com eles vazios, levando em conta tanto sua respiração quanto seus passos. A chave é a plena consciência.

Quando você andar em subidas ou descidas, o número de passos por respiração mudará. Siga sempre as necessidades de seus pulmões. Não tente controlar a sua respiração ou o andar. Basta observá-los profundamente.

Quando você começa a praticar, a expiração pode ser mais longa do que sua inalação. Você pode descobrir que dá três passos durante a sua inspiração e quatro passos em sua expiração. Se isso for confortável para você, pratique deste modo. Depois de feito meditação andando por algum tempo, sua inspiração e expiração, provavelmente, vão se tornam iguais: 3-3, ou 2-2 ou 4-4.

Se você vê algo ao longo do caminho que você deseje tocar com a sua consciência - o céu azul, as montanhas, uma árvore, ou uma ave – apenas pare, mas enquanto você fizer isso, continue respirando conscientemente. Você pode manter o objeto de sua contemplação vivo por meio da respiração consciente. Se você não respirar conscientemente, mais cedo ou mais tarde o seu pensamento assenta de volta, e a ave ou a árvore irá desaparecer. Sempre fique com sua respiração.

Depois de ter praticado por alguns dias, tente adicionar mais um passo à sua expiração. Por exemplo, se a respiração normal é de 2-2, sem andar mais rápido, prolongue sua expiração e pratique 2-3 por quatro ou cinco vezes. Então, volte para 2-2. Na respiração normal, nós nunca expelimos todo o ar dos pulmões. Há sempre algum lá. Ao adicionar mais um passo à sua expiração, você vai empurrar mais do ar viciado. Não exagere. Quatro ou cinco vezes é suficiente. Mas isso pode deixá-lo cansado. Depois de respirar assim quatro ou cinco vezes, deixe sua respiração voltar ao norma1. Em seguida, cinco ou dez minutos mais tarde, você pode repetir o processo. Lembre-se de adicionar um passo para a expiração, não a inalação.

Após praticar por mais alguns dias, seus pulmões podem dizer a você: "Se pudéssemos fazer 3-3 em vez de 2-3, que seria maravilhoso." Se a mensagem é clara, experimente, mas, mesmo assim, só faça isso quatro ou cinco vezes. Então volte para 2-2. Em cinco ou dez minutos, comece 2-3, e então 3-3 novamente. Depois de vários meses, seus pulmões serão mais saudáveis ​​e seu sangue circulará melhor. Seu modo de respirar terá sido transformado.

Quando praticamos a meditação andando, chegamos a cada momento. Quando entramos no momento presente profundamente, nossos arrependimentos e tristezas desaparecem, e descobrimos a vida com todas as suas maravilhas. Inspirando, dizemos a nós mesmos, "eu cheguei." Expirando, dizemos: "Eu estou em casa." Quando fazemos isso, superamos a dispersão e vivemos pacificamente no momento presente, que é o único momento para nós estarmos vivos.

Você também pode praticar a meditação andando usando as linhas de um poema. No budismo Zen, poesia e prática sempre andam juntas.

Eu cheguei.
Estou em casa
no aqui,
no agora.
Eu sou consistente.
Eu sou livre.
No final
Eu moro.

Ao caminhar, esteja plenamente consciente do seu pé, o chão, e a conexão entre eles, que é a sua respiração consciente. As pessoas dizem que andar sobre a água é um milagre, mas para mim, andar tranquilamente na Terra é o verdadeiro milagre. A Terra é um milagre. Cada passo é um milagre. Dar passos no nosso belo planeta pode trazer a verdadeira felicidade.

(Texto de Thich Nhat Hanh do livro Buddha Mind, Buddha Body: Walking Toward Enlightenment, retirado do site http://www.tricycle.com/practice/walk-buddha, trad. Wilton)

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