segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Meditação e Espaço

Chogyam Trungpa Rinpoche

"Meditar é trabalhar com nossa pressa, com nossa inquietação, com nossa constante atividade. A meditação provê espaço ou terreno no qual a intranquilidade pode mover-se, onde pode haver lugar para ser intranquila, onde pode relaxar por estar sendo intranquila. Se não interferirmos na intranquilidade, então ela se tornará parte do espaço. Não reprimimos nem atacamos o desejo de correr atrás de nossa própria sombra.

Meditar não é uma questão de tentar criar um estado hipnótico da mente ou produzir uma sensação de tranquilidade. O esforço para alcançar um estado tranquilo da mente reflete uma mentalidade pobre. Ao buscarmos um estado tranquilo da mente, estamos nos prevenindo contra a intranquilidade. Portanto, haverá um contante senso de paranóia e limitação. Sentimos uma necessidade de estar em guarda contra repentinos acessos de paixão ou de agressividade que poderiam se apossar de nós, fazendo-nos perder o controle. Esse processo de defesa limita o campo da mente ao não aceitar o que quer que aconteça.

A meditação, ao contrário, deverá refletir uma mentalidade rica no sentido de que utiliza tudo o que ocorre no estado mental. Consequentemente, se dermos campo suficiente para a intranquilidade de modo que possa mover-se dentro do espaço, então a energia deixará de ser intranquila, pois pode basicamente confiar em si mesma.

Meditar é como entregar uma enorme e aprazível campina a uma vaca intranquila. Ela poderá ficar agitada por algum tempo no seu campo enorme, todavia em certo ponto, visto que há tanto espaço, a intranquilidade torna-se irrelevante. Assim, a vaca come, come insistentemente, relaxa e adormece.

Reconhecer a intranquilidade, identificar-se com ela, requer atenção, ao passo que fornecer um pasto aprazível, um espaço enorme para a vaca inquieta exige consciência. Por conseguinte, atenção e consciência sempre se complementam mutuamente.

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A atenção é o processo de nos relacionarmos com situações individuais direta, precisa e claramente. Nós nos comunicamos ou nos conectamos com situações problemáticas ou situações irritantes de um modo simples. Existe ignorância, existe intranquilidade, existe paixão e existe agressividade. Elas não precisam nem ser louvadas nem condenadas. São olhadas apenas como oscilações mentais. São situações condicionadas que, no entanto, poderiam ser encaradas exata e precisamente pela atenção sem condicionamentos. 

A atenção é como um microscópio: não é nem arma de defesa, nem arma de ataque em relação aos germes que observamos através dele. A função do microscópio é apenas mostrar com clareza aquilo que lá está. A atenção não precisa se referir ao passado ou ao futuro; está completamente centrada no agora. Ao mesmo tempo, é uma mente ativa envolvida em percepções dualísticas, pois no começo é necessário fazer uso desse tipo de juízo discriminador.

A consciência é ver as descobertas da atenção. Não precisamos nem nos desfazer nem guardar os conteúdos da mente. A precisão da atenção poderá ser deixada por conta própria, visto que ela possui seu próprio ambiente, seu próprio espaço. Não precisamos tomar a decisão de abandoná-la ou de preservá-la como um tesouro. Desse modo, a consciência representa um outro passo para a ausência de escolha nas situações.

A palavra em sanscrito para consciência é smriti, que significa 'reconhecimento', 'lembrança'. Lembrança não no sentido de recordar o passado, mas sim no sentido de reconhecer o produto da atenção. A atenção fornece certo terreno, certo espaço para o reconhecimento da agressividade, da paixão e assim por diante. A atenção provê o tema ou os termos ou as palavras, e a consciência é a gramática que envolve e coloca corretamente as palavras. Tendo vivenciado a precisão da atenção, poderíamos nos fazer a seguinte pergunta: 'O que devo fazer com isso? Que posso fazer a seguir?' E a consciência nos assegura que, na realidade, não precisamos fazer coisa alguma com ela, senão deixá-la no seu próprio e devido lugar. É como descobrir um aflor bonita no meio da mata: será que devemos colher a flor e levá-la para casa ou é melhor deixá-la ali mesmo na mata? A consciência diz para deixarmos a flor na mata, pois ali é o lugar natural para que aquela planta cresça. Portanto, a consciência é a disposição de não se apegar às descobertas da atenção, e atenção é apenas precisão; as coisas são o que são. A atenção é a vanguarda da consciência. Num lampejo focalizamos uma situação e, então, difundimos essa focalização punctual na consciência.

Assim, pois, atenção e consciência trabalham conjuntamente para a aceitação das situações do viver tais como são. Não precisamos olhar a vida como algo que merece indiferença ou indulgência. As situações da vida são o alimento da consciência e da atenção; não podemos meditar sem as depressões e os estímulos que ocorrem na vida. Gastamos os sapatos do samsara caminhando com eles través da prática da meditação. A combinação da atenção com a consciência, mantém a jornada, a prática da meditação ou o desenvolvimento espiritual depende, pois, do samsara. De um ponto de vista espacial poderíamos dizer que não existe nem samsara nem nirvana, que fazer a jornada é inútil. No entanto, desde que estamos no chão, é extraordinariamente útil realizá-la".

(Trecho do livro "O Mito da Liberdade e o Caminho da Meditação", de Chogyam Trungpa,  Ed. Cultrix, págs. 61 a 63)


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