segunda-feira, 23 de maio de 2011

Os três erros que cometemos


"Do ponto de vista budista, quando olhamos para este mundo e fenômenos, nós sempre cometemos três erros. Não falaremos sobre todos os fenômenos ainda; falaremos sobre nossa mão, por exemplo. Quando olhamos para nossa mão, cometemos três erros. O primeiro é quando vemos uma mão permanente.

Esse é o primeiro grande erro que cometemos. Você poderia pensar, 'não, nós não”. Mas nós fazemos. Por exemplo, se você se perguntar, “Esta é a mesma mão que você tinha ontem?' Você dirá, 'sim'. Olhamos para nossa mão e pensamos que esta é exatamente a mesma que tínhamos ontem, antes de ontem, uma semana atrás. Este é o primeiro erro que nós cometemos, pensar que isso é uma entidade permanente. E isso é um grande erro porque não é uma entidade permanente. Ela tem mudado. Sua mão de ontem não voltará. Ela se foi para sempre. Declinou. Morreu!

O segundo erro é quando olhamos para nossa mão e a vemos como um todo. Isso é um erro muito grande novamente. Não existe essa entidade que você possa chamar de uma mão. Se você tiver treinado, você não vai ver a mão. Você vai ver a pele, ossos, sangue, nervos e componentes diferentes. Mas não podemos olhar para ela dessa forma. Olhamos para nossa mão como um todo, que, na verdade, não existe. Esse é o segundo erro.

O terceiro erro que cometemos, quando olhamos para nossa mão, é que estamos constantemente esquecidos que essa mão é dependente de muitas, muitas causas e condições. Não é apenas dependente de alimentos e hidratante, é dependente de tudo. Mesmo do fato de que este teto não caiu na minha mão, e é por isso que ela está se movendo. Minha mão é totalmente dependente de tudo - deste microfone, desta mesa, sua existência, o teto, o espaço, os elementos. Agora não percebemos isso!

Então a próxima pergunta que fazemos é: 'O que há de errado? Por que temos que evitar cometer esses erros?' Agora é importante saber que o budismo não é um caminho para desenvolver uma certa meditação para que você possa substituir essa mão por uma mão 'divina'. Essa nunca é a idéia, embora pareça isso porque você ouviu falar de técnicas de meditação, mantras, visualizações e assim por diante. Mas não estamos fazendo aquelas coisas para criar uma nova mão que é permanente, independente e um todo. Então o que estamos fazendo aqui? Primeiro, nós tentamos construir ou estabelecer essa visão, para realmente entender que essa mão é impermanente, é interdependente, e não há tal coisa como uma mão, como um todo. Na verdade, ela consiste em vários componentes.

Agora como isso ajuda? Por que temos que saber disso? Quando cometemos estes três erros constantes, nós vamos rumo à dor. Eu tenho me referido a eles como erros, mas o termo budista clássico é ignorância. Quando temos essa ignorância, ela nos leva a dor e sofrimento. E isso é muito óbvio. Quantos cremes hidratantes de mão estão disponíveis? Tudo porque as pessoas não sabem que não importa que tipo de hidratante você usa, essa mão vai deformar. Cedo ou tarde ela vai cair aos pedaços; será comida por aves um destes dias. Mas a maioria de nós não sabe disso.
Ok, então agora que sabemos que a nossa mão é impermanente, não é um todo, e é interdependente, devemos parar usar hidratante? Não, de forma alguma! De fato, podemos usar hidratante e comprar mais. Por quê? O fato de que isso é impermanente é o porquê do hidratante ajudar. Se sua mão estiver seca e se isso for permanente, a seca será permanente.

Você teria que aguentar uma mão seca e desconfortável! Mas porque é impermanente, o hidratante ajuda. Isso fará com que sua mão seja muito suave e macia. Mas também, porque você sabe que ela é impermanente, finalmente, quando todos os hidratantes se esgotarem, você não ficará muito chateado porque aceitou o fato de que sua mão é impermanente. Você entendeu? Este é um conhecimento muito importante. Agora, isso é o que chamamos de mão 'divina' - quando você sabe que essa mão não pode ser ajudada permanentemente, essa mão não pode ser substituída, esta mão é impermanente e ela é interdependente. Essa é a mão 'divina', a mão de Buda. E, na verdade, quer você acredite ou não, isso é o nirvana, isso é um pequeno momento do nirvana, já é um pequeno momento da iluminação.

Estou usando a mão apenas como exemplo. Em nossa vida existem tantas coisas assim - nosso sistema político, nosso sistema econômico, nossas ideias sobre os outros, nossas idéias sobre nós mesmos, a democracia, o budismo, o caminho, o dinheiro, e, principalmente, relacionamentos. Tenho certeza que você sabe disso. Quando olhamos para o relacionamento, mais uma vez cometemos estes três erros. Olhamos para essa relação como um todo, não em partes. Por exemplo, não vemos que nosso parceiro tem todos esses altos e baixos. Estamos apenas apegados a uma idéia abstrata de relacionamento como um todo. Mas isso realmente não funciona assim, não é? Quando você está com alguém, o seu ego e o ego dele(a) pisam no pé um do outro. E por quê? Porque naquele momento a verdadeira natureza de que não existe tal coisa como um relacionamento inteiro se torna claro. Isso vem em partes, aos poucos, em pedaços. Quando temos um relacionamento, temos de aceitar que isto vem no pacote.

E relacionamento é impermanente, também. Isso é muito óbvio, eu tenho certeza. Muitos de nós já passaram por isso pelo menos uma vez, se não cinco ou seis! Mas isso não pára. Continuamos a pensar que um dia vamos ter a relação perfeita, e este relacionamento perfeito é no geral permanente, uma relação independente e um relacionamento como um todo. Nós nunca olhamos para ele em partes. Esta é na verdade a visão budista. Você pode pensar que isso é simplista, mas isto é realmente ensinado no Avatamsaka Sutra, o Sutra Lankavatara e todos os ensinamentos budistas clássicos. E, como eu disse antes, o budismo é a sabedoria orientada, por isso, quando falamos de sabedoria, estamos falando de ver algo sem qualquer interferência da criação cultural ou social, de educação ou suas próprias inibições. Vendo a verdade, basicamente.

Onde se encaixa a compaixão aqui? Onde é que a não-violência se encaixa aqui? Muito mesmo. Se você tem essa grande visão de que tudo é interdependente, impermanente e que não existe tal coisa como um todo, esta compreensão não é somente sabedoria, é empatia.

Ajuda muito saber que, não importa o que eu faça - cirurgia plástica, lipoaspiração - minha mão está cada vez mais perto de decair. Então, quando você olha para seu parceiro que está completamente ocupado, cegamente acreditando que esse problema pode ser curado com tônico de ginseng ,ou qualquer outra coisa, porque você compreendeu a verdade, ou a visão, em vez de algum tipo de arrogância, você vai querer fazer essa pessoa entender esta verdade. Isso é a compaixão. E este é também o ato de não-violência. Essa é a visão budista."

Dzongsar Khyentse Rinpoche*

(Trecho do artigo "View, meditation, action", de Dzongsar Khyentse Rinpoche, publicado na revista gentle Voice, out 2003, páginas 2 e 3, Trad. Wilton)

* Dzongsar Jamyang Khyentse Rinpoche (nascido em 1961), também conhecido comos Khyentse Norbu, é um Lama Butanês, diretor cinematográfico e escritos. É um dos professores de Ani Zamba Chözom.

Original em Inglês:


"From the Buddhist point of view, when we look at this world and phenomena, we always make three mistakes. Let’s not talk about all phenomena yet; let’s just talk about our hand, for instance. When we look at our hand, we make three mistakes. The first mistake we make when we look at this hand is we see it as a permanent hand. Do ponto de vista budista, quando olhamos para este mundo e fenômenos, nós sempre cometemos três erros.

That’s the first big mistake we make. You might think,‘No, we don’t.’ But we do. For instance, if I ask you, ‘Is this the same hand that you had yesterday?’ you will say, ‘Yes.’ We look at our hand and think this is exactly the same hand that we had yesterday, the day before yesterday, a month ago. This is the first mistake we make, thinking that this is a permanent entity. And that is a big mistake because it is not a permanent entity. It has changed. Your yesterday’s hand is not going to come back. It’s gone forever. Decayed. Dead!
The second mistake we make when we look at our hand is we see our hand as a whole. That’s a very big mistake again. There is no such entity that you can call a hand. If you are trained, you will not see a hand. You will see skin, bones, blood, nerves and different components. But we don’t look at it that way. We look at our hand as a whole, which actually does not exist. That’s the second mistake.

The third mistake we make when we look at our hand is that we constantly forget this hand is dependent on many, many causes and conditions. It’s not just dependent on food and moisturiser, it’s dependent on everything. Even the fact that this very ceiling is not falling on my hand is why my hand is moving. My hand is absolutely dependent on everything - on this microphone, this table, your existence, the ceiling, the space, the elements. Now this we don’t realise!

So the next question we ask is, ‘What’s wrong? Why do we have to avoid making these mistakes?’ Now it’s
important to know that Buddhism is not a path to develop a certain meditation so that you can replace this
hand with a ‘divine’ hand. That is never the idea, although it might sound like that because you hear of
meditation techniques, mantras, visualisations and so on. But we’re not doing those things to create a new hand that is permanent, independent and a whole. So what are we doing here? First, we try to construct or establish this view to really understand that this hand is impermanent, it’s interdependent and there is no such thing as a hand as a whole. In fact, it consists of many components.

Now how does that help? Why do we have to know that? When we make these three constant mistakes, we go through pain. I’ve been referring to these as mistakes, but the classic Buddhist term is ignorance. When we have this ignorance, it leads us to pain and suffering. And this is very obvious. How many hand-moisturising creams are available? All because people don’t know that no matter what kind of hand moisturiser you use, this hand is going to deform. Sooner or later it’s going fall apart; it’s going to be eaten by birds one of these days. But most of us don’t know that.
Okay, so now that we know our hand is impermanent, it’s not whole and it’s interdependent, should we stop using moisturiser? No, not at all! In fact, we can use moisturiser and buy more. Why? The fact that it is impermanent is why moisturiser helps. If your hand is dry and if it is permanent, the dryness will be permanent.
You will be stuck with a dry, uncomfortable hand! But because it is impermanent, moisturiser helps. It will make your hand very smooth and soft. But also, because you know that it is impermanent, finally when all the moisturiser runs out, you will not be too upset because you have accepted the fact that your hand is impermanent. You understand? This is such important knowledge. Now that is what we call ‘divine’ hand - when you know that this hand cannot be helped permanently, this hand cannot be replaced, this hand is impermanent and it is interdependent. That is ‘divine’ hand, Buddha’s hand. And actually, whether you believe it or not, it is nirvana, it is small-time nirvana, small-time enlightenment already.

I’m using the hand just as an example. In our life there are so many things like that - our political system, our
economic system, our ideas about others, our ideas about ourselves, democracy, Buddhism, the path, money and especially relationship. I’m sure you know this. When we look at relationship, again we make these three mistakes. We look at this relationship as a whole, not in parts. For example, we don’t see that our partner has all these ups and downs. We are only attached to an abstract idea of relationship as a whole. But it doesn’t really work like that, does it? When you are staying with somebody, your ego and their ego step on each other’s toes. And why? Because at that time the true nature that there is no such thing as a whole relationship becomes clear. It comes in parts, in bits and pieces. When we have a relationship, we have to accept that this comes in the package.
And relationship is impermanent, too. That’s very obvious, I’m sure. Many of us have gone through this at
least once, if not five or six times! But it doesn’t stop. We still think that one day we are going to have the perfect relationship and this perfect relationship is usually a permanent relationship, an independent relationship and a relationship as a whole. We never look at it in parts.
This is actually the Buddhist view. You might think this is oversimplified, but this is actually taught in the Avatamsaka Sutra, the Lankavatara Sutra and all the classic Buddhist teachings. And as I said before, Buddhism is wisdom-oriented so when we talk about wisdom we are talking about seeing something without any interference of cultural or social upbringing, education or one’s own inhibitions. Seeing the truth, basically.
Where does compassion fit in here? Where does nonviolence fit in here? Very much. If you have this great
view that everything is impermanent, interdependent and that there is no such thing as a whole, this very understanding is not only wisdom, it is empathy.

Knowing that no matter what I do - plastic surgery, liposuction - my hand is getting closer and closer to decay helps a lot. Then, when you look at your partner who is completely busy, blindly believing that this problem can be cured with ginseng tonic or whatever, because you have understood the truth, or the view, instead of some kind of arrogance you will want to make this person understand this truth. This is compassion. And this is also the act of non-violence. That is the Buddhist view."

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