"Do ponto de vista budista, quando olhamos para este mundo e fenômenos, nós sempre cometemos três erros. Não falaremos sobre todos os fenômenos ainda; falaremos sobre nossa mão, por exemplo. Quando olhamos para nossa mão, cometemos três erros. O primeiro é quando vemos uma mão permanente.
Esse é o primeiro grande erro que cometemos. Você poderia pensar, 'não, nós não”. Mas nós fazemos. Por exemplo, se você se perguntar, “Esta é a mesma mão que você tinha ontem?' Você dirá, 'sim'. Olhamos para nossa mão e pensamos que esta é exatamente a mesma que tínhamos ontem, antes de ontem, uma semana atrás. Este é o primeiro erro que nós cometemos, pensar que isso é uma entidade permanente. E isso é um grande erro porque não é uma entidade permanente. Ela tem mudado. Sua mão de ontem não voltará. Ela se foi para sempre. Declinou. Morreu!
O segundo erro é quando olhamos para nossa mão e a vemos como um todo. Isso é um erro muito grande novamente. Não existe essa entidade que você possa chamar de uma mão. Se você tiver treinado, você não vai ver a mão. Você vai ver a pele, ossos, sangue, nervos e componentes diferentes. Mas não podemos olhar para ela dessa forma. Olhamos para nossa mão como um todo, que, na verdade, não existe. Esse é o segundo erro.
O terceiro erro que cometemos, quando olhamos para nossa mão, é que estamos constantemente esquecidos que essa mão é dependente de muitas, muitas causas e condições. Não é apenas dependente de alimentos e hidratante, é dependente de tudo. Mesmo do fato de que este teto não caiu na minha mão, e é por isso que ela está se movendo. Minha mão é totalmente dependente de tudo - deste microfone, desta mesa, sua existência, o teto, o espaço, os elementos. Agora não percebemos isso!
Então a próxima pergunta que fazemos é: 'O que há de errado? Por que temos que evitar cometer esses erros?' Agora é importante saber que o budismo não é um caminho para desenvolver uma certa meditação para que você possa substituir essa mão por uma mão 'divina'. Essa nunca é a idéia, embora pareça isso porque você ouviu falar de técnicas de meditação, mantras, visualizações e assim por diante. Mas não estamos fazendo aquelas coisas para criar uma nova mão que é permanente, independente e um todo. Então o que estamos fazendo aqui? Primeiro, nós tentamos construir ou estabelecer essa visão, para realmente entender que essa mão é impermanente, é interdependente, e não há tal coisa como uma mão, como um todo. Na verdade, ela consiste em vários componentes.
Agora como isso ajuda? Por que temos que saber disso? Quando cometemos estes três erros constantes, nós vamos rumo à dor. Eu tenho me referido a eles como erros, mas o termo budista clássico é ignorância. Quando temos essa ignorância, ela nos leva a dor e sofrimento. E isso é muito óbvio. Quantos cremes hidratantes de mão estão disponíveis? Tudo porque as pessoas não sabem que não importa que tipo de hidratante você usa, essa mão vai deformar. Cedo ou tarde ela vai cair aos pedaços; será comida por aves um destes dias. Mas a maioria de nós não sabe disso.
Ok, então agora que sabemos que a nossa mão é impermanente, não é um todo, e é interdependente, devemos parar usar hidratante? Não, de forma alguma! De fato, podemos usar hidratante e comprar mais. Por quê? O fato de que isso é impermanente é o porquê do hidratante ajudar. Se sua mão estiver seca e se isso for permanente, a seca será permanente.
Você teria que aguentar uma mão seca e desconfortável! Mas porque é impermanente, o hidratante ajuda. Isso fará com que sua mão seja muito suave e macia. Mas também, porque você sabe que ela é impermanente, finalmente, quando todos os hidratantes se esgotarem, você não ficará muito chateado porque aceitou o fato de que sua mão é impermanente. Você entendeu? Este é um conhecimento muito importante. Agora, isso é o que chamamos de mão 'divina' - quando você sabe que essa mão não pode ser ajudada permanentemente, essa mão não pode ser substituída, esta mão é impermanente e ela é interdependente. Essa é a mão 'divina', a mão de Buda. E, na verdade, quer você acredite ou não, isso é o nirvana, isso é um pequeno momento do nirvana, já é um pequeno momento da iluminação.
Estou usando a mão apenas como exemplo. Em nossa vida existem tantas coisas assim - nosso sistema político, nosso sistema econômico, nossas ideias sobre os outros, nossas idéias sobre nós mesmos, a democracia, o budismo, o caminho, o dinheiro, e, principalmente, relacionamentos. Tenho certeza que você sabe disso. Quando olhamos para o relacionamento, mais uma vez cometemos estes três erros. Olhamos para essa relação como um todo, não em partes. Por exemplo, não vemos que nosso parceiro tem todos esses altos e baixos. Estamos apenas apegados a uma idéia abstrata de relacionamento como um todo. Mas isso realmente não funciona assim, não é? Quando você está com alguém, o seu ego e o ego dele(a) pisam no pé um do outro. E por quê? Porque naquele momento a verdadeira natureza de que não existe tal coisa como um relacionamento inteiro se torna claro. Isso vem em partes, aos poucos, em pedaços. Quando temos um relacionamento, temos de aceitar que isto vem no pacote.
E relacionamento é impermanente, também. Isso é muito óbvio, eu tenho certeza. Muitos de nós já passaram por isso pelo menos uma vez, se não cinco ou seis! Mas isso não pára. Continuamos a pensar que um dia vamos ter a relação perfeita, e este relacionamento perfeito é no geral permanente, uma relação independente e um relacionamento como um todo. Nós nunca olhamos para ele em partes. Esta é na verdade a visão budista. Você pode pensar que isso é simplista, mas isto é realmente ensinado no Avatamsaka Sutra, o Sutra Lankavatara e todos os ensinamentos budistas clássicos. E, como eu disse antes, o budismo é a sabedoria orientada, por isso, quando falamos de sabedoria, estamos falando de ver algo sem qualquer interferência da criação cultural ou social, de educação ou suas próprias inibições. Vendo a verdade, basicamente.
Onde se encaixa a compaixão aqui? Onde é que a não-violência se encaixa aqui? Muito mesmo. Se você tem essa grande visão de que tudo é interdependente, impermanente e que não existe tal coisa como um todo, esta compreensão não é somente sabedoria, é empatia.
Ajuda muito saber que, não importa o que eu faça - cirurgia plástica, lipoaspiração - minha mão está cada vez mais perto de decair. Então, quando você olha para seu parceiro que está completamente ocupado, cegamente acreditando que esse problema pode ser curado com tônico de ginseng ,ou qualquer outra coisa, porque você compreendeu a verdade, ou a visão, em vez de algum tipo de arrogância, você vai querer fazer essa pessoa entender esta verdade. Isso é a compaixão. E este é também o ato de não-violência. Essa é a visão budista."
Dzongsar Khyentse Rinpoche*
(Trecho do artigo "View, meditation, action", de Dzongsar Khyentse Rinpoche, publicado na revista gentle Voice, out 2003, páginas 2 e 3, Trad. Wilton)
* Dzongsar Jamyang Khyentse Rinpoche (nascido em 1961),
também conhecido comos
Khyentse Norbu, é um Lama Butanês
, diretor cinematográfico e escritos. É um dos professores de Ani Zamba Chözom.
Original em Inglês: