quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Bardos, os momentos despercebidos - Francesca Fremantle


O bardo pode ter muitas implicações, dependendo de como se olha para ele. É um intervalo, um hiato, uma lacuna. Pode atuar como uma fronteira que divide e separa, marcando o fim de uma coisa e o início de outra; mas também pode ser a ligação entre as duas - pode servir como uma ponte ou um ponto de encontro que junta e une. É uma encruzilhada, um degrau, uma transição. É um cruzamento no qual alguém tem de decidir que caminho tomar, e é uma terra de ninguém que não pertence nem a um lado nem ao outro. É um ponto de luz ou o ponto culminante de uma experiência e, ao mesmo tempo, uma situação de extrema tensão capturada entre os dois opostos. É o espaço aberto, pleno de uma atmosfera de suspensão e incerteza, nem isso nem aquilo. Em tal estado, a pessoa pode se sentir confusa e assustada, ou pode se sentir surpreendentemente liberada e aberta a novas possibilidades.

Momentos como esse ocorrem continuamente na vida, despercebidos; é a sinificação interior dos estados do bardo segundo Trungpa Rinpoche os ensinou. Ele os mencionou como períodos de incerteza entre a sanidade e insanidade ou entre a confusão do samsara e a transformação da confusão em sabedoria. "Eles são as qualidades intensificadas dos diferentes tipos de ego e da possibilidade de se livrar do ego. É aí que o bardo começa - a experiência culminante na qual existe a possibilidade de se desprender das garras do ego e a possibilidade de ser engolido por ele."¹

Onde quer que exista a morte de um estado mental, existe o nascimento de um outro, e ligando os dois, lá está o bardo. O passado se foi e o futuro ainda não chegou; não podemos capturar aquele momento intermediário, no entanto ele é realmente tudo que há. "Em outras palavras, é a experiência presente, a experiência, a experiência imediata do agora - onde você está, onde você se encontra."²

De acordo com a tradição, os seis bardos são o bardo desta vida (ou nascimento), o bardo do sonho, o bardo da meditação, o bardo do morrer, o bardo do dharmata (ou realidade) e o bardo da existência (ou vir a ser). Outras tradições reconhecem alguns outros adicionais, mas o princípio é o mesmo. Os bardos são diferenciados uns dos outros dessa forma porque indicam modos de consciência distintos, assim como o estado de consciência de vigília difere do estado de consciência do sonho. Esses estados podem durar um período curto ou longo de tempo, tão longo quanto toda uma vida, como é o caso do primeiro, e ao mesmo tempo todos eles partilham a qualidade misteriosa e imensamente poderosa da "intermediação". Ou poderíamos dizer que, aprendendo a ver esses estágios da nossa vida como bardos, podemos ter acesso a esse poder, que está sempre presente, despercebido, em cada momento da existência. (trecho do livro Vazio Luminoso, de Francesca Fremantle, Ed. Nova Era, páginas 85 a 87)

Obs.: Notas ¹ e ² referem-se ao livro Trancending Madness, de Chogyam Trungpa.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013


Uma Introdução ao Bardo - SS. Dudjom Rinpoche


Tem sido dito que toda a doutrina do Buda poderia ser resumida no ensinamento dos Seis Bardos. O Dharma do Buda é vasto e profundo, e as muitas abordagens dos vários veículos e ciclos de ensinamento abrangem uma inconcebível riqueza de instruções. Para aqueles que desejam atingir a cidadela primordial da budeidade no curso de uma singular vida humana, o treinamento desses ensinamentos é exposto na estrutura dos 6 Bardos.

Então, o que é um bardo? Um bardo é um estado que não está "aqui nem ali"; por definição é alguma coisa que está "entre", um estado intermediário. Os 6 bardos são: (1) o bardo natural da vida presente; (2) o bardo alucinatório dos sonhos; (3) o bardo da meditação; (4) o doloroso bardo da morte; (5) o luminoso bardo da realidade última; (6) o bardo kármico do vir a ser. 

(Trecho do livro "Counsels from my Heart", de SS. Dudjom Rinpoche, Ed. Shamballa, página 60/61)

sábado, 24 de agosto de 2013

O que são as "aparências"?



"Penso que precisamos de uma definição de como estou utilizando o termo 'aparências', que significa: - Qualquer coisa que surja à consciência dos cinco sentidos, como nos sentimos sobre essas aparências surgindo como objetos e o que nós pensamos sobre essas aparências momento a momento. Então isso encoberta tudo, seja o que chamamos de experiências que estejam acontecendo ou que nós pensamos que estão acontecendo - precisamos entender os dois aspectos das aparências, um é puro, outro é impuro e então temos um terceiro elemento que nós chamamos de aparência da vacuidade, ou aparência vazia.

Aparência pura é a maneira que um ser desperto veria todas as aparências - seria apenas uma manifestação de sua própria natureza. Algo que se veria com visão não dualística, não há mais projeções mentais que aparentam que há alguma coisa aqui percebendo alguma coisa ali, e que essas duas coisas são  duas entidades independentes sem qualquer relação entre si.

Aparências impuras são as maneiras que os seres ordinários e de mentes condicionadas percebem, acreditando em suas próprias projeções mentais como verdadeiramente existentes do seu próprio lado, e essas aparências como sendo independentes de quaisquer condições que possam estar nos causando essa maneira de vermos as coisas de maneiras particulares - isso é percepção confusa.

Aparência da vacuidade ou aparência vazia é a habilidade de perceber a verdadeira natureza do que quer esteja aparentando, surgindo, além de toda a fabricação ou condicionamento mental e simplesmente descansar nesse estado de consciência plena.

A cada momento há uma bifurcação do caminho em que nós podemos ou voltar aos nossos hábitos de percepção confusos que geram mais condições para mais confusão e sofrimento ou nós podemos relaxar e simplesmente abraçar a possibilidade der ver as coisas de uma maneira incondicional e além de todas as nossas fixações mentais.  Essa maneira incondicional pode nos guiar para a liberação e para um estado genuíno de felicidade e bem-estar.

Assim, a vida torna-se um caminho para a liberação (iluminação)."

(Publicado em 05/07/13, no site anizamba.org e facebook, traduzido por Fabrício)

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Tonglen - Dzongsar Khyentse

Tonglen é uma prática maravilhosa pois ela é uma técnica específica que pode invocar compaixão e bodhichitta. Repetidamente tem sido dito que nosso hábito de auto-cuidado e pensar apenas em nosso próprio bem estar é a fonte de miséria e sabotagem de nosso caminho espiritual, então o método óbvio para conter isso é cuidar dos outros.
O método é simples. Enquanto você expira, dê felicidade, virtude e riqueza materal a todo e cada ser sensciente sem exceção; enquanto inspira, absorva toda dor, sofrimento, problemas, obscurecimentos e pensamento e ações não virtuosos.
A prática de Tonglen é onde começamos a afinar nossa motivação e é talvez a melhor prática para o principiante. Como os grandes mestres Kadampa no passado nos têm dito, repetidamente, a prática da bodhichitta refere-se ao cultivo da atitude de dar todo o ganho e benefício aos outros, e tomar para si toda dor e derrota.
Um dos maiores flagelos sofridos pelas pessoas modernas é uma perda da auto-estima ou sentido saudável de ser. Isso leva alguns novos estudantes a perguntar se tomar o sofrimento dos outros na prática de tonglen poderia gerar neles perda da confiança em si mesmos. Justamente o oposto é real. A atitude que cultivamos como bodhisattvas - de cultivar o oferecimento do melhor de tudo para os outros e voluntariamente aceitar toda perda, sensação desprazerosa ou dificuldade - na verdade apoia nossa confiança e erradicamos completamente a perda de auto-estima.

Shantideva escreveu,

O que é necessário falar mais?
O trabalho infantil por seu próprio benefício,
O trabalho dos Budas pelo benefício dos outros.
Apenas olhe a diferença entre ambos.

Se eu não troco minha felicidade
Pelo sofrimento dos outros,
Não atingirei o estado búdico
E mesmo no samsara não terei real alegria.

De onde vem a baixa auto-estima? Aqueles que a possuem tendem a ter desenvolvido altamente o ego; eles cobiçam ser melhores em tudo e valorizados altamente por quem encontram, imaginam que seu ego está reprimido, fraco e precisam ser encorajados. Entretanto, uma vez que desenvolvemos a atitude de um bodhisattva, temos pequeno ou nenhum ego e então não existirá "eu" para preocupar-se em afastar todas as coisas boas ou estar aborrecido pelas coisas ruins. Aos bodhisattvas falta um "ego" como ponto de referência, e, desse modo, sua confiança continua a crescer, dando até mesmo à idéia de baixa auto-estima nenhuma chance de elevar-se como um lado repulsivo. Então, não tenha medo de aplicar-se na bodhichitta da aspiração de novo e de novo.
(Traduzido do livro "Not for Happyness: A Guide to the So-called Preliminary Practices", de Dzongsar Khyentse Rinpoche, Ed. Shamballa, 2012)

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

A Ilusão da 'Vida'


Naturalmente, se há nascimento haverá morte

Nascer significa morrer - não há saída

A menos que você vá além do nascimento e morte.

Apenas sua própria natureza não possui tais limitações fabricadas - são elas que trazem todas as esperanças e medos

Apenas observe os valores que nós damos a essas duas palavras

NASCIMENTO - a alegria e as expectativas

MORTE - o desespero da fatalidade - o medo de deixar ir tudo que conhecemos

Por que não fazer isso agora - deixar ir, liberar seja o que for - o seu agarrar - ser livre - tão livre quanto o próprio espaço

Por que não fazer isso agora? O que impede você de deixar ir - o que há a perder, exceto o que você acredita - Sua realidade

Mas isso é tão ‘real’? O que torna isso ‘real’? - O fato de que você acredita nela - Por quê?

Apenas um hábito de acreditar no que as outras pessoas dizem, no que as outras pessoas fazem - Então deve ser verdade.

Verdade quanto a quê? Ao seu nível de confusão?

Será que nós realmente queremos enxergar a verdadeira natureza incondicionada - Duvido

Para vê-la como ela é? - Duvido

A ilusão de como nós pensamos ser - é muito mais suculenta, saborosa, com todos os seus detalhes, seus valores, emoções, altos e baixos, esperanças e temores, e as histórias, aquelas histórias sem fim

A sedução dessa forma de ver parece bem mais interessante já que isso significa envolver-se em uma atividade interativa com o mundo dos sentidos - o mundo aparente 'lá fora' - que parece tão real, tão convidativo

Eu não posso somente deixar minha forma de ver - deixar a forma com a qual me envolvo com os sentidos e seus objetos

Como eu poderia saber que o ‘eu’ existe se não houvesse nenhum ‘outro’ além de 'mim'

‘Eu’ devo estar aqui para experimentar tudo isso

Parece tão ‘real’ e ‘eu’ me sinto tão ‘real’ -

'Eu' posso ver, 'eu' posso ouvir, ‘eu’ posso tocar, saborear, cheirar e, claro, 'eu' posso pensar - faço isso o tempo todo - pensar

Pensar sobre isso ou aquilo

Como seria bom se eu obtivesse isso, como seria ruim se eu perdesse isso. E ‘se’

As expectativas que o ‘se’ carrega - aqueles pensamentos

Alguma vez você já olhou realmente para esses pensamentos?

Apenas um de cada vez - como ele vai e vem, vai e vem

Pergunte-se de onde ele vem - aquele espaço?

Onde ele fica quando está aqui - aquele espaço?

Para onde vai após a sua ida - aquele espaço?

Pergunte a si mesmo Não seria aquele o mesmo espaço ou seria um tipo diferente de espaço?

Aquele movimento, que aparece como um pensamento realmente tem alguma substância? Ou é como uma bolha que vem à tona quando a água atinge uma certa temperatura, ela aparenta existir

Você segura cada bolha dando-lhe um sentido, aceitando algumas, rejeitando outras - é apenas água - em êxtase com algumas, deprimido com outras - é apenas água e sob certas condições, ela aparece como bolhas

Sua natureza é água - não há necessidade de elaborar ou fabricar quaisquer detalhes e valores e perder-se em cada surgimento de uma bolha

Bolhas constantes, essas bolhas, essas aparições são apenas uma exibição de nossa própria natureza -

Se você não tem apego e não se agarra a cada aparição, então você pode descansar na visão - 'TAWA'

Deixar ir os aparentes objetos dos sentidos é também não alimentar a ilusão da existência do observador desses objetos

O observador é apenas uma forma habitual de identificar o que você pensa ser - como uma espécie de entidade, agente

Algo percebendo algo.

Olhe novamente - e você vai ver que tudo o que aparece são condições mudando - não há um momento de solidez do que chamamos de ‘corpo’ e ‘mente’

Olhe, dê uma olhada profunda e você poderá ver a ilusão de quem você acha que é, e a ilusão do que você acha que está percebendo como realidade, como realmente existente.

É tão verdadeiro quanto você acredita

Quando alguém altera sua própria percepção

Para apenas descansar na consciência da consciência, o reconhecimento do saber - então não há mais envolvimento com os aparentes objetos surgindo dos sentidos

Não se impede qualquer atividade dos sentidos, mas não se envolve com ela pois se repousa na própria consciência. A Consciência percebendo a si mesma

Quanto mais familiar alguém se torna com ser uma consciência tão vasta quanto o espaço sem quaisquer limitações - não uma ‘coisa’, uma entidade, mas uma consciência sem um ‘isto’ ou um ‘aquilo’, um aqui ou um lá, um ‘você’ ou um ‘eu’

Então se está começando a experimentar uma possibilidade de ver de uma forma mais desperta

Enquanto ainda há a sensação de que há objetos 'lá fora' e algo experienciando-os aqui - esteja certo, isso é uma ilusão e a essa ilusão chamamos 'vida'.

Para qualquer um que queira ler.

Escrito na Lua Cheia de agosto na Toca abaixo de Monte Azul - 3 de agosto de 2012.

Ani Zamba

EM INGLÊS:

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Doenças


por Vidhyadhara Jigme Lingpa

"Doenças são as vassouras que varrem suas más ações.
Vendo as doenças como professores, reze a eles.
Doenças vêm a você pela bondade dos mestres e das Três Jóias.
Doenças são suas realizações, então respeite-as como deidades.
Doenças são os sinais de que seus karmas ruins estão sendo exauridos.
Não olhe para a face de sua doença, mas para aquela (a mente) que está doente.
Não dê lugar às doenças em sua mente, mas coloque sua consciência intrínseca nua acima de sua doença.
Esta é a instrução sobre a doença que surge como o Dharmakaya.
O corpo é inanimado e mente é vacuidade.
O que pode causar dor a uma coisa inanimada ou dano à vacuidade?
Procure de onde as doenças são provenientes, para onde vão, e onde permanecem.
Doenças são meras projeções inesperadas de seus pensamentos.
Quando aqueles pensamentos desaparecem, as doenças dissolvem-se também.
Não há melhor combustível (que doenças) para queimar os karmas ruins.
Não se distraia com uma mente triste ou visões negativas (sobre as doenças),
Mas veja-as como os sinais do declínio de seus karmas ruins, e alegre-se com elas."

Ele escreveu esse texto enquanto extremamente doente, durante seu longo retiro em uma caverna. Depois de escrevê-lo, ele recebeu a transmissão de mente de muitos dos extraordinários ensinamentos que praticamos hoje na tradição Nyingma. O ciclo completo do Longchen Nyingtjig, assim como o Yeshe Lama e vários outros tantras dzogchen, manifestaram-se de sua sublime mente de sabedoria.

(Enviada por Ani Zamba em Dezembro 2012, Monte Azul)


Original em Inglês:

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Ano Novo

 
O ano novo é o que você faz dele.
O que define o velho do novo - depende de você. Sua mente cria a felicidade ou a infelicidade - não importa quanto eu possa desejar um feliz ano novo - se você continuar a cultivar condições que resultem em experiências negativas ele pode não surgir tão feliz para você.
Toda experiência é gerada em nossas mentes.
Reconheça a natureza da mente e não haverá mais condições para infelicidade e sofrimento. Isso sim seria uma verdadeira causa de felicidade - algo a ser celebrado.
Amor a todos vocês,
Ani Zamba

(Carta escrita em Monte Azul, 29/12/2012)


Original em Inglês: